segunda-feira, 11 de maio de 2009

Reportagem.

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Imigrantes adoptam
Mouraria como refúgio
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José, Pedro, Rachid e Ahmed são quatro dos cerca de 11 mil imigrantes que escolheram a Mouraria como residência. Falam dos problemas e das coisas boas de Portugal. Aquele que é o bairro mais antigo da capital é, hoje, uma cidade dentro de outra. É palco de projectos de vida. Por João José Pires


São seis da tarde na Mouraria.

Este bairro tão antigo como a nacionalidade, berço do fado e imortalizado pela voz de Amália está hoje muito diferente.
São cerca de 11 mil os estrangeiros que escolheram o bairro mais antigo de Lisboa para morar. Estamos, muito provavelmente, no local mais cosmopolita da capital portuguesa.
Mais ainda o sentimos quando descemos as ruelas até à Praça Martim Moniz.
Vemos pessoas das mais variadas nações, etnias e credos.
É fácil ouvir línguas estrangeiras: indiano, chinês, ucraniano e até português com sotaque brasileiro.
Aqui misturam-se cores e criam-se laços.
Aqui cruzam-se pacotes e sacos pretos carregados por jovens chineses e mulheres indianas de saarii.
Ucranianos passeiam ao lado de senegaleses enquanto crianças bengalis e paquistanesas brincam na Praça, dentro do Centro Comercial da Mouraria brincam outras, agora chinesas.
Neste Centro vendem-se desde electrodomésticos a cassetes, desde roupa interior e atoalhados até especiarias e livros de orações.
Existem seis pisos de lojas e só uma é portuguesa.
Este espaço reflecte bem as diferentes origens destes imigrantes.
Apesar do frio, o Martim Moniz é um fervilhar de um formigueiro humano.
Os imigrantes adoptaram a Praça como ponto de encontro e o bairro da Mouraria como residência.

Na Praça, junto a um quiosque-bar metálico improvisado, encontramos José, um angolano que vive em Portugal há 8 anos e que nos apresenta a Praça do Martim Moniz como um símbolo da “presença dos imigrantes em Lisboa. Aqui há imigrantes de diferentes partes do mundo, vêm até cá para se reunirem, divertirem, conversar, recordar a terra. Depois do trabalho vêm cá tomar uns copos com os amigos. Sabe bem quando estamos longe da família”.
Rachid, um indiano de 42 anos, interrompe José para dizer que gosta muito dos portugueses. “Eu trabalho aqui há muito tempo. O tempo é bom e a gente também. Gosto da cultura portuguesa e os portugueses são muito amigos”. J
osé brinca com Rachid e diz-nos que ele gosta de Portugal não tanto por causa da cultura mas porque namora com uma portuguesa. Rachid cora e responde que “essa é outra história. Amor é diferente. Quero casar-me com ela, é verdade, gosto muito da minha namorada”.
Mas o diálogo torna-se mais sério quando perguntamos quais são as maiores dificuldades que os imigrantes vivem em Portugal.
O racismo torna-se rapidamente tema de conversa. “Há racismo no acesso ao emprego. Por exemplo, somos excluídos por sermos emigrantes e não por não termos capacidades. Nos transportes públicos ainda há muitas pessoas que nos olham de lado, quando vamos ao banco tratam-nos de maneira diferente, sentimo-nos diferentes. São maneiras de excluir as pessoas”.

Lídia Canha, psicóloga da Associação Solidariedade Imigrante, diz que a convivência na Mouraria entre portugueses e imigrantes nem sempre é fácil e explica porquê. “Em relação aos que residem aqui há mais tempo existe já alguma convivência, alguma integração. Mas em termos gerais, não é muito fácil. Este é um bairro com muitos problemas sociais. Sendo um bairro muito degradado, é relativamente fácil arranjar piso barato, e também por isso é que começou a atrair muitos imigrantes, que têm pouco poder económico. Desse ponto de vista há uma tendência para responsabilizar os imigrantes pelos problemas sociais do bairro”.

Na rua do Capelão, na pequena casa onde nasceu o conhecido fadista Fernando Maurício está agora um videoclube indiano.
À porta, está Pedro, um jovem guineense.
Confirma com angústia o problema do racismo. “Como africano, já não sinto o racismo como sentia quando cheguei a Portugal. Já me passa ao lado. Acho que as pessoas que pensam assim estão a ser retrógradas, ainda não sabem o que é a essência humana”.

Deixamos Pedro e vamos até ao Café do senhor António ao lado da antiga Tasca da Severa, famosa fadista portuguesa.
Pelo caminho, damos com Dona Fernanda e Rita, mãe e filha, desde sempre moram na Mouraria e têm visões muito distintas sobre a imigração no bairro.
Rita conta-nos que é casada com Viktor, um imigrante ucraniano. “O meu marido agora é português mas veio de um país de leste. Adaptou-se bem, esforçou-se e hoje em dia tem uma vida óptima. É uma questão de esforço da parte das pessoas”, afirma convicta e com orgulho. Dona Fernanda interrompe-a de forma exaltada, para dizer que “os imigrantes deviam ir todos embora da Mouraria, é só droga e gatunos”.
Rita tenta explicar esta opinião revoltada. “É parte que eles vêem, o lado mau das pessoas. Não é só a imigração que traz o mal. Os portugueses infelizmente também são um povo imigrante lá fora, sabemos como as coisas são”.

Lídia Canha refere que as pessoas mais novas não têm tantos entraves e preconceitos em relação aos imigrantes. Segundo a psicóloga está a verificar-se uma evolução de geração em geração. “Há evoluções, a tendência é os imigrantes serem os primeiros bodes expiatórios mas isso está a mudar”

Chegamos, finalmente, ao café do senhor António.
Lá dentro ouve-se com atenção o relato do seu Benfica. O argelino Ahmed também vibra com o clube encarnado. O senhor António já se habituou à mudança do bairro.
Ahmed está longe de casa há cinco anos. Viaja à procura de trabalho e prefere Portugal a Espanha. “Os portugueses são bem melhores que os espanhóis, aqui não há tanto racismo”
Num português esforçado, Ahmed dá-nos conta da sua tristeza.
Ri-se no fim de cada frase, como que para esconder a emoção. “Não tenho trabalho, não tenho papéis, é difícil, tenho dois cursos mas não tenho trabalho.”

Para José, Pedro, Rachid e Ahmed, a fronteira entre a esperança e a desilusão é uma linha ténue. Convivem com ela todos os dias.
Longe dos seus, são projectos de vida. J.J.P.

2 comentários:

CN disse...

Boa história. Pena não teres feito fotos. abr

Tiago FM disse...

Foi uma reportagem de rádio.