terça-feira, 15 de dezembro de 2009

"A democracia sobreviverá sem jornais?"





 As nossas novas tecnologias não nos desobrigam
 das nossas velhas responsabilidades




Os tempos actuais são de interrogações e desafios para a imprensa escrita e para o jornalismo. O texto do Paul Starr, publicado pela revista americana “The New Republic” e em Portugal pela Courrier, é mais um importante contributo para a discussão. Os jornais estão em dificuldades. Esta é uma realidade inequívoca. É dela que parte todo o pensamento de Starr. Alguns pontos merecem especial atenção.




Os recursos desaparecem dos velhos media mais depressa
do que os novos media conseguem desenvolvê-los




Torna-se essencial, desde já, esclarecer a importância da imprensa escrita. São os jornais, ainda hoje, que mais repórteres põem no terreno e mais notícias originais produzem. Para além disso, várias investigações comprovam que televisão e rádio seguem as prioridades noticiosas dos jornais, embora com menor profundidade, também decorrente da sua própria natureza. Outros estudos, tendo por base o índice de corrupção política publicado anualmente pelo Banco Mundial, mostram uma relação muito estreita: quanto menor a circulação livre de jornais num país, mais alta é a sua posição no índice de corrupção. Este é, de facto, um dos objectivos charneira do jornalismo: escrutinar para informar. Um dos perigos de uma menor cobertura jornalística prende-se com a integridade quer de Governos, quer de empresas.


Com a internet e a quebra de vendas e publicidade, os jornais estão a cortar em serviços e jornalistas. Alguns dos quais veteranos que seriam importantes no passar de sabedoria aos profissionais mais jovens. Têm também menos dinheiro para investigações a longo prazo. Como diz Starr, por mais imperfeitos que fossem, os jornais foram as principais instituições a sustentar os valores do jornalismo profissional.


Uma imprensa pobre, implica, como vimos, um maior perigo de corrupção na sociedade. Mas implica também, como muito bem diz Starr, um maior risco de corrupção no próprio jornalismo.


A questão que aqui se impõe não é a da romanceada sobrevivência do jornalismo em papel, mas antes a do jornalismo escrito. Por agora, ainda não foi encontrada resposta para a questão de rentabilizar os conteúdos informativos na internet. Há tempos, disse o director do New York Times que nenhum blogue teria dinheiro para ter em permanência um correspondente que fosse em Bagdad. De facto, assim é. Veja-se o próprio caso deste jornal americano. A edição digital do New York Times é a mais lida nos Estados Unidos mas gera em publicidade apenas 11% do total necessário para cobrir os custos de produção. Os leitores em papel, pese serem muito menos, geram os restantes 89%.


Este é o paradoxo, o paradoxo de Krugman. Os jornais nunca tiveram tantos leitores como hoje mas estão com cada vez menos meios de sobrevivência. De facto, faz sentido a ideia de Paul Starr: os recursos desaparecem dos velhos media mais depressa do que os novos media conseguem desenvolvê-los. Há aqui uma possível zona temporal que chamaria de área cinzenta ou vazia e que é explicada com acelerada passagem dos leitores em papel – os que financiam realmente a produção das notícias – para a edição digital e pela falta de soluções à vista para a rentabilização da publicidade ou conteúdos pagos na internet.


Convém deixar claro que o possível fim dos jornais não é, obviamente, o fim do jornalismo. As notícias contribuem para o esclarecimento da sociedade e, assim, para o seu bom funcionamento. São fundamentais à democracia no sentido em que escrutinam Governos e outras instituições. Por outro lado, as notícias são bens públicos no sentido que os economistas empregam ao conceito. Estas notícias como bens públicos continuarão. Quando uma sociedade exige bens públicos a solução frequente é recorrer ao Estado. A questão é que o jornalismo diário não pode estar sob a alçada do controlo político. Portanto, a solução pode passar por organizações sem fins lucrativos. Ou por ideias como a do conselheiro delegado da Prisa, José Luis Cebrián, que sugere IVA zero para os jornais.


Pierre Bourdieu dizia, no seu livro “Sur la Télévision”, que a televisão pode reunir numa noite durante o telejornal das vinte horas mais pessoas do que todos os diários franceses da manhã e da tarde juntos. Isto quer dizer que os jornais não podem competir com a televisão. Também não podem competir com a rádio, pela sua natureza de actualidade. Assim, os jornais têm de dar aos cidadãos algo diferente. Se a televisão mostra e a rádio e a internet são meios com actualidade, os jornais podem oferecer reflexão, ou seja, os jornais têm o poder de explicar em profundidade e distanciamento e, em relação à internet, com credibilidade. Subscrevo inteiramente as palavras de Jorge Fiel, no DN de 15 de Março, em que diz que só sobreviverão os jornais que apostarem no jornalismo e forem capazes de ajudar os leitores a desbravar a selva da informação em que vivemos, dando-lhes coisas (escolhas, explicações e opiniões) que eles não saibam e precisem e gostem de saber.


Em síntese, na passagem de papel para digital está em jogo o futuro do jornalismo escrito. Não é a passagem em si que está em causa, por mais que se prefira ler em papel do que num ecrã, mas antes a sustentação económica da actual qualidade informativa dos jornais. Porque para já não há soluções para rentabilizar esse nível de qualidade informativa na internet. Isto faz-nos regressar à interrogação central. Urgem ideias e soluções para evitar o desaparecimento dos jornais e o baixar da fasquia no jornalismo. Como atrás referi, os jornais podem oferecer o que televisão, rádio e internet não podem pela sua natureza mais instantânea. As notícias são um bem essencial, proponho que os Governos cortem nos impostos, como por exemplo no IVA. Esta seria uma forma de ajudar sem condicionar a independência dos jornais. Estas são duas ideias que estão já a ser trabalhadas. Espero que as coisas avancem e que isto não passe de uma crise como a do cinema quando surgiu a televisão. Aqui, joga-se uma melhor democracia. Não quero crer que numa era cada vez mais global, com mais informação, sejamos cada vez menos informados.


Por mim, vou continuar a fazer da leitura dos jornais a minha oração matinal, como diria Hegel.





2 comentários:

UN VOYAGEUR SANS PLACE disse...

Ton blog c'est très culturel, j'aime beaucoup! Mes félicitations, et je suis avec toi, maintenant!

Acho que a democracia veio com a evolução da sociedade, um caminho trilhado desde a época do Iluminismo, e começou com a Enciclopédia e as revistas da época, depois os jornais diários é que tomaram a dianteira, e seria triste imaginar um mundo sem eles.

Qual é o jornal mais lido em Lisboa? E no Porto?

Ok, j'attends ton rendez-vous chez moi, pour nous allons boire du té... Au revoir.

UN VOYAGEUR SANS PLACE disse...

PS.: J'ai trouve o teu blogue pesquisando sobre a Mouraria no Google, aí apareceu algo que a relacionava aos imigrantes, e eu li o teu post, achei tua opinião muito boa.